Foi uma jogada normal, ação normal de jogo, disse Zuñiga, o zagueiro da Colômbia. E não estava sozinho.
Alguns outros do mundo do futebol também assim interpretaram o recente e trágico episódio com o jogador brasileiro Neymar no jogo da Copa contra a Colômbia. Dentre as mais variadas considerações possíveis em relação à ocorrência que inviabilizou a permanência do principal jogador e craque nesse evento esportivo, ceifando-lhe a concretização de um sonho pessoal que alimentava desde a tenra infância, está a de se perguntar a localização do limite entre o fair play e o jogo sujo.
A esfera de permissividade das estratégias do futebol consideradas normais, como sendo aquelas que decorrem somente de um acidente, um equívoco, algo que escapa ao controle subjetivo do agente do dano, parece já há algum tempo estar assumindo novos contornos.
Se é certo que acidentes nos esportes de contato são naturalmente esperados, quase uma extensão espontânea dessas modalidades, conforme tem sido a fundamentação dos que entenderam o lance como uma jogada normal, não menos certo é que os praticantes devem rebuscar com toda a sua força a preservação da integridade dos demais praticantes. Ao menos assim deveria ser.
Zuñiga não prejudicou somente ao Neymar com sua maldade revestida de malandragem, senão a toda a equipe da seleção brasileira e a uma nação. Por ser capaz de fazer tudo pela defesa do seu país, como declarou quando consultado sobre os desdobramentos do fato, impôs um sofrimento emocional a todos os companheiros de equipe que perderam um colega com uma singularidade técnica e múltiplos qualificativos pessoais. Aí, pouco interessa se há substituto a ocupar a posição. Importará o nível de instabilidade emotiva criada na equipe que, diga-se, já não ia bem em razão da mistura entre o desejo o dever de vencer em casa, lançando-os como heróis capazes de afastar a quase perpétua sombra da final de 1950, no Maracanã. Disse a um povo, o brasileiro, especialmente às suas crianças, esperançosas de participarem pela primeira vez de um título, que se pode tudo em razão de uma causa pessoal.
A conivência com esse tipo de comportamento tem evidentes e deletérios resultados práticos, na medida em que a banalização das agressões propositais e inconsequentes representa um ato de desprezo às mais elementares formas de respeito às práticas esportivas. Mais problemática ainda se torna a questão quando algum ícone do esporte sai em defesa do jogo sujo, como o fez Maradona, quando atribuiu para a sua trapaça na Copa de 1986, a alcunha de La Mano de Dios. O ex-craque da bola e um já incansável trôpego nas relações de respeito com seus pares mais recentemente ironizou a punição da FIFA ao atacante uruguaio Suàrez, defendendo ainda tratar-se de um lance normal do futebol.
A defesa dos interesses de uma pessoa via de regra tem como diretriz o seu querer particular que acaba sendo modelado em diferentes níveis de egoísmo. Esse egoísmo, por sua vez, define o quanto os outros serão ou não considerados merecedores de respeito. O fair play e o jogo sujo caminham juntos, às vezes se confundindo entre o permissivo e o altamente repugnante. É assim nos esportes. É assim na vida.
Júlio Pogorzelski
Advogado, professor e educador.
Matéria publicada no Jornal de Gramado, edição de 08/07/2014.
